HOJE, os acidentes de transporte constituem a principal causa de morte não natural entre a população residente no Estado de São Paulo, posto ocupado pelos homicídios durante mais de 20 anos. Com a expressiva redução dos homicídios na última década, os acidentes de transporte assumiram a liderança em 2007.
A MORTALIDADE por acidentes de transporte pode ser acompanhada detalhadamente por meio das estatísticas vitais produzidas pela Fundação Seade, com base em informações enviadas mensalmente pelos Cartórios de Registro Civil existentes nos municípios paulistas. Note-se que tais informações, oriundas das declarações de óbito, distinguem-se das registradas pelas instituições policiais e de transportes, que geralmente contabilizam as vítimas desses eventos quando o óbito ocorre no local do acidente. Já as informações do Registro Civil aqui utilizadas consideram todos os óbitos provocados por tais acidentes, inclusive os que tenham ocorrido fora do local do evento, como em pronto-socorros ou hospitais.
NOS ÚLTIMOS 20 ANOS, os acidentes de transporte foram responsáveis pela morte de 149.911 pessoas, o equivalente à população de um município do porte de São Caetano do Sul, o que revela a importância desta causa de morte para a população paulista, conforme mostra a Tabela 1.1
Em 1988, a taxa de mortalidade por acidentes de transporte era similar àquela por homicídios. A partir de 1993, os óbitos por acidentes passaram a aumentar continuamente, atingindo seu ápice entre 1996 e 1997, quando morreram em média 25 pessoas por dia em todo o Estado de São Paulo e a taxa de mortalidade por esta causa chegou a 25,7 óbitos por cem mil habitantes.
APÓS A PROMULGAÇÃO do novo Código Nacional de Trânsito, em 1998, houve importante redução desse coeficiente: já em 1999 foi de 20,1 óbitos por cem mil. Porém, a partir de 2001, quando os acidentes tiravam a vida de 19 pessoas por dia no Estado de São Paulo, essa tendência interrompeu- se e os índices permaneceram praticamente constantes até 2006, em torno de 17,0 óbitos por cem mil habitantes. Em 2007, a taxa de mortalidade voltou a se elevar e atingiu o valor de 18,3 óbitos por cem mil.
EM JUNHO DE 2008, nova modificação legal foi implantada – a chamada Lei Seca –, mas ainda não se refletiu de forma expressiva nas estatísticas, uma vez que a redução na mortalidade por acidentes de transporte foi muito pequena, alcançando uma taxa de 18,0 óbitos por cem mil habitantes, em 2008. À medida que as informações dos anos mais recentes forem disponibilizadas, será possível avaliar melhor o impacto desse novo estatuto legal sobre a mortalidade provocada pelos acidentes de transporte.
AO SE ANALISAREM os tipos de acidentes de transporte no período em pauta, conclui-se que a taxa de mortalidade por essa causa poderia ter se reduzido mais intensamente caso não tivesse ocorrido aumento dos óbitos provocados por acidentes com motocicleta. Entre 1996 e 2008, a taxa de mortalidade em decorrência de atropelamentos diminuiu pela metade (de 10,1 para 5,1 óbitos por cem mil habitantes). Entre os demais acidentes (automóvel, ônibus, veículo de carga pesada, camionete, etc.) a redução também foi expressiva (de 15,3 para 9,5 óbitos por cem mil habitantes). Entretanto, o indicador de mortalidade por acidentes com motocicleta, apesar de se situar em patamar inferior ao dos demais acidentes, aumentou de forma expressiva ao passar de 0,2 para 3,4 óbitos por cem mil habitantes, no período analisado (Gráfico 1).
ALÉM DESSAS TENDÊNCIAS GERAIS, as estatísticas vitais permitem identificar que cada tipo de acidente de transporte atinge preferencialmente grupos populacionais específicos. Entre as vítimas de atropelamento, a mortalidade masculina é superior à feminina e sua principal vítima é a população idosa. Nota-se, para ambos os sexos, que à medida que avança a idade, aumentam também os níveis de mortalidade por esta causa (Gráfico 2).
JÁ NOS ACIDENTES DE MOTOCICLETA, embora também predominem as vítimas do sexo masculino, elas são majoritariamente jovens. Cerca de 55% das vítimas fatais desses acidentes ocorrem entre homens de 18 a 29 anos de idade. A taxa de mortalidade é mais elevada no grupo de 18 a 19 anos de idade e passa a diminuir nas faixas etárias seguintes. Entre as mulheres, apesar de as taxas serem bem inferiores, verifica- se aumento importante de sua incidência já no grupo de 15 a 17 anos, atingindo o nível mais elevado na faixa de 25 a 29 anos.
AINDA NO GRÁFICO 2, é possível observar as características demográficas das vítimas dos demais tipos de acidentes de veículo. Entre os homens, a mortalidade do grupo de 18 a 19 anos praticamente triplica em relação ao grupo anterior, atingindo seu ápice entre 20 e 24 anos. A mortalidade diminui, então, até o grupo de 30 a 34 anos e se estabiliza nos grupos subsequentes. Entre as mulheres, o padrão é diferenciado: a mortalidade é mais elevada no grupo de 15 a 17 anos, embora em patamar muito inferior ao da população masculina, reduz-se até as idades entre 25 e 29 anos e mantém-se estável nos demais grupos etários.
AS INFORMAÇÕES APRESENTADAS permitem comparar a situação paulista com a de outras Unidades da Federação, a partir dos dados produzidos pelo Ministério da Saúde.2 Tomando 2007 como ano de referência – último com informações disponíveis para todos os Estados –, vê-se que, para o conjunto do país, a taxa de mortalidade por acidentes de transporte foi de 20,9 óbitos por cem mil habitantes, em comparação a 19,7 por cem mil, para o Estado de São Paulo. A situação era mais grave em Roraima, Tocantins e Santa Catarina, cujos coeficientes superavam 33,0 óbitos por cem mil habitantes. Em contraste, Amazonas e Bahia apresentavam situação mais favorável, com indicadores de mortalidade inferiores a 15,0 óbitos por cem mil habitantes.
EM SÍNTESE, as informações mais recentes sobre a mortalidade por acidentes de transporte mostram que, apesar de sua importante e rápida retração após a implantação do Código Nacional de Trânsito, em 1998, esta tendência perdeu força nos anos posteriores. Mostram também que os efeitos esperados da implantação da Lei Seca, em 2008, ainda não foram captados integralmente por estas estatísticas. Outro ponto a ser destacado é a relação entre diferentes tipos de acidentes de transporte e os grupos populacionais predominantemente atingidos o que permitiria desenhar políticas públicas e campanhas de esclarecimento próprias a esses grupos.
ESPERA-SE, enfim, que as informações apresentadas possam contribuir para o planejamento de ações na área de transporte, nas diversas cidades e estradas paulistas, incentivando e subsidiando a implementação de medidas específicas e direcionadas, que visem diminuir progressivamente os índices de mortalidade por este tipo de causa não natural.
Tabela 1
Óbitos, média diária e taxa de mortalidade por acidentes de transporte
Estado de São Paulo
1988-2008
Ano |
Óbitos |
Média Diária |
Taxa (por 100 mil hab.) |
1988 |
6.818 |
19 |
23,1 |
1989 |
6.970 |
19 |
23,1 |
1990 |
7.065 |
19 |
23,0 |
1991 |
7.076 |
19 |
22,5 |
1992 |
6.601 |
18 |
20,6 |
1993 |
6.690 |
18 |
20,5 |
1994 |
6.968 |
19 |
21,0 |
1995 |
7.804 |
21 |
23,1 |
1996 |
8.842 |
24 |
25,7 |
1997 |
8.988 |
25 |
25,6 |
1998 |
7.247 |
20 |
20,3 |
1999 |
7.313 |
20 |
20,1 |
2000 |
5.750 |
16 |
15,6 |
2001 |
6.691 |
18 |
17,8 |
2002 |
6.856 |
19 |
18,0 |
2003 |
6.798 |
19 |
17,6 |
2004 |
6.826 |
19 |
17,4 |
2005 |
6.959 |
19 |
17,5 |
2006 |
6.808 |
19 |
16,9 |
2007 |
7.437 |
20 |
18,3 |
2008 |
7.404 |
20 |
18,0 |
Fonte: Fundação Seade.
Gráfico 1
Taxa de mortalidade (1), segundo tipos de acidentes de transporte
Estado de São Paulo
1996-2008
Fonte: Fundação Seade.
(1) Por 100 mil habitantes.
Gráfico 2
Taxas de mortalidade (1), por tipo de acidentes de transporte, segundo sexo e faixa etária
Estado de São Paulo
2008
Fonte: Fundação Seade.
(1) Por 100 mil habitantes.